Crônica do Deputado que instituiu o Dia do Piauí

O suplemento cultural do Diário Oficial do Estado publicou, décadas atrás, iluminada crônica de José Auto de Abreu – o deputado autor do projeto que instituiu o Dia do Piauí –, nos termos a seguir.

“Antes do encontro decisivo (a Batalha do Jenipapo - citação minha), a vanguarda das forças de Fidié, ‘maior de 1.100 homens bem municiados e armados, garantidos por 11 peças de artilharia, tivera uma escaramuça (apenas escaramuça e não um verdadeiro combate, como alguns querem dar a entender - citação minha) com um grupo de cearenses, perto da lagoa do Jacaré, em que os lusos levaram a melhor. Mas este prelúdio longe estava de denunciar o que seria a épica, trágica e pavorosa hecatombe que se aproximava. Os patriotas sob o comando de Luiz Rodrigues Chaves, oficial cearense, e do piauiense, sargento-mor Francisco Inácio da Costa, saíram ao encontro de Fidié, logo depois das escaramuças de Jacaré, e o primeiro choque dos corcundas, como eram alcunhados os brasileiros, se deu com a cavalaria portuguesa. Daí por diante engajaram-se as duas forças em ferozes combates, as onze peças portuguesas varrendo o campo e dizimando piauienses e cearenses, que ‘armados de chuços, foices, espadas, facões, espetos e espingardas velhas iam morrer à boca dos canhões, com um desamor pela vida, que pasmava os soldados, pouco afeitos a semelhantes atos de bravura’, repetindo expressão do notável historiador Abdias Neves.”

Mais adiante, retorna Abreu: “Os restantes dias de janeiro, o mês de fevereiro e os primeiros dias de março (de 1823 - citação minha) foram de intenso e febricitante preparativo de ambos os lados, para o choque decisivo, que seria a sanguinolenta batalha do Jenipapo. Fidié, com as suas forças melhor armadas, equipadas, adestradas e disciplinadas, partira de Parnaíba em marcha forçada para ‘atacar a capital, repor a junta deposta e restabelecer o antigo regime’, mas lhe chega a notícia da vinda de forças do Ceará, em auxílio da Província e da entrada delas em Piracuruca, com a adesão desta à Independência. Contrariado com a informação que alteraria os seus planos, Fidié parte para Piracuruca, encontrando-a deserta, encaminha-se para Campo Maior, mas, já a esse tempo, vindos justamente dali, ‘os patrícios marchavam ao seu encontro, com uma numerosa força sem disciplina, sem munições e mal armada, mas sobrando-lhe o valor e o heroísmo, que inspiravam o patriotismo e o interesse da causa que defendiam, como deu provas no choque do Jenipapo, em 13 de março’, descreve Pereira da Costa”.

Continuando sua crônica, o deputado José Auto de Abreu, que conclamou os coestaduanos a consagrarem 19 de Outubro como o Dia do Piauí, instituído por projeto de lei de sua autoria, devidamente aprovado e sancionado na forma da Lei Estadual nº 176 , de 1937, não recordou a Praça da Graça, onde ocorreu o feito parnaibano, nem a Praça da Vitória, na qual se festejou o gesto oeirense (respectivamente, 19 de outubro de 1822 e 24 de janeiro de 1823, quando aconteceram a proclamação da independência do Piauí e a adesão ao imperador Dom Pedro), porém outra data, outro lugar e outro ato histórico, conforme se verá a seguir.

“Ainda agora, nesta minha viagem, pernoitando inesperadamente em Salvador, tive a oportunidade de me quedar, no silêncio de uma noite enluarada, ante o majestoso monumento que os baianos erigiram na Praça 2 de Julho (esta a data instituída como o Dia da Bahia, em homenagem não a uma passagem da história da citada província, de proclamações e adesões, mas ao feito concreto no qual, pelas armas, o povo baiano expulsou os portugueses, numa comparação minha a 13 de Março, quando, pelas armas, muito poucas, ressalto, e bem mais pelo sangue derramado e efeitos disto, Fidié foi expulso do Piauí – citação minha). Em nome da Pátria agradecida aos seus heróis da independência. E, admirando as figuras lendárias de Paraguassu, Cabrita e outros esculpidos gigantesca e masculamente no bronze, emocionado voltei o meu pensamento para as campinas de Campo Maior, há mais de século empapadas do generoso sangue de piauienses que ali tombaram sonhando com a Independência da Pátria, que finalmente nos legaram com o sacrifício da própria vida. Este épico de cruento episódio, que foi a batalha do Jenipapo, jamais deverá ser esquecido nas comemorações como o estamos fazendo hoje, do ‘O Dia do Piauí’. Os heróis anônimos e esquecidos, que ali dormem o sono eterno, são, certamente, na sua maioria a gente simples da nossa terra talvez, o vaqueiro do nordeste – que é, na expressão de Martins Napoleão – ‘o mais típico representante da população sertaneja entre nós’. Eles são tão brasileiros e bravos, como bravos e valentes foram os voluntários piauienses, que morreram nos campos do Paraguai em defesa da Pátria (alusão do deputado à Guerra do Paraguai), e a cujos feitos me reporto sempre, para relembrar este expressivo trecho da saudação do Marquês de Paranaguá, citado por Anísio Brito, quando, em número reduzido, voltavam do campo da luta. ‘Fortes dos primeiros a acudir ao reclamo da Pátria ultrajada, e depois de tê-la vingado nobremente, sois dos últimos a recolher-vos aos vossos lares. A província do Piauí, que concorreu com mais de três mil homens para a guerra, reconhece neste punhado de bravos, os restos gloriosos dos batalhões que formara. Sede benvindos, o Brasil estremecido vos acolhe no amplexo expressivo do imperador. E se a gratidão nacional pudesse graduar-se os últimos seriam os primeiros’. Eles (os heróis do Jenipapo - citação minha) – continua Auto de Abreu – são tão brasileiros e bravos como os brasileiros que dormem o sono da glória, no longínquo cemitério de Pistóia. Lá, na Itália, os nossos patrícios descansam velados por sentinelas brasileiras e à sombra de silenciosos ciprestes. Os heróis do Jenipapo repousam sob a vigilância das carnaubeiras. E a brisa suave perpassa pelas folhas farfalhantes, acariciando os seus rústicos túmulos, como que se confunde e se casa, ao alvorecer do dia e ao cair da tarde, e ao longe das campinas, com a melodia da cantiga dos vaqueiros, entoando o seu longo e melancólico aboio. E aquele arroio, de leito seco no verão, - testemunha e palco da pugna homérica, e que no inverno se transforma em caudaloso rio, na primeira enchente após a cruenta luta, lavando as pedras impregnadas e a terra encharcada de sangue piauiense, correndo para o mar – destino natural dos rios, - teria colorido rubramente as águas do Atlântico, à altura do Ceará, Pernambuco e Bahia, para afirmar que os nordestinos, irmanados nos mesmos sentimentos de brasilidade, morreram histórica e fraternalmente abraçados em defesa de um ideal comum a todos – a Independência da Pátria.”

Por José Miranda Filho. Texto enviado pelo Dr. José Itamar Abreu Costa, médico cardiologista.